sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Liquidação

E nem se desse pra juntar todas as despedidas que estão espalhadas ao vento, seria possível medi-las. Poesias, poemas, literatura e tristeza. Aquele sopro frio e ausente, geralmente transcrito em versos, em alguns dos cantos do mundo. Pouca imensidão ainda é muita, despedida ainda que seja apenas uma, arde, e arde muito. Eu nunca fui boa nisso. Não sei nem parabenizar pessoas que dirá despedir-me delas. Eu prefiro agir assim mesmo: pega tudo o que tiver e enterra bem fundo numa caixa naquela parte do guarda roupa que você não usa, ou naquela parte do coração onde você não vai. Tranca a porta, joga a chave fora. Nada de bom pode acontecer se você entrar lá. E que venham os contrários para me julgar mas sentir já não é algo tão bom assim, se afogar em faltas é pior ainda. Eu não me despedi. Eu fujo das coisas com frequência. Ah, amanhã. E foi assim que eu acordei e me dei conta que eu não tinha aproveitado aquele momento como deveria. Não é por ser ruim que ele não mereça que eu pague o preço que vale. Eu deveria ter dito algo, algumas poucas palavras provavelmente ensopadas em salgadas lágrimas de alguém que simplesmente não quer ver parte de si ir embora. Sim, isso mesmo, parte de mim. Que me chamem de exagerada quem tiver coragem de dizer que nunca fez de alguém parte de você. Deveria ter ao menos deixado o choro que ainda está na minha garganta sair. Eu deveria ter dito a cada um, separadamente, o quão especial eles são e se tornaram. Eu deveria ter avisado que metade do meu coração morreria e continuaria batendo, com bastante dor, enquanto eu tivesse vida. Quem sabe avisar sobre a saudade, e chorar mais uma vez só pra garantir. Eu deveria ter comemorado um pouco mais, porque como vocês sabem o tempo sempre passa e ele sempre passa rápido demais. Eu não chorei, e hoje me arrependo. Eu não me despedi mas disso eu só me arrependo uma parte cabível, sei que a outra parte de mim agradece afinal, é o fato de ter fugido da dor que eu carrego só um pedacinho, e é apenas e exclusivamente por isso que eu posso sobreviver.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Viajante

Mariana tinha o conhecido em alguma das estações anteriores. Talvez em um passeio no bosque ou na fila do supermercado. Queria vê-lo feliz acima de qualquer outra coisa no mundo. Perto e distante, o quão longe se pode estar de algo que você pode ver? Colaria se pudesse, pra nunca mais soltar. Como o espaço se tornou denso, e nenhum do dois conseguiu atravessá-lo, nunca, ela passou a escrever contos leves e mal alinhados onde poderia manter o caderno próximo ao seu peito e tê-lo pela primeira vez dentro de um abraço. Contava todas as histórias mais bonitas já contadas. E ele sempre foi o final mais do que feliz. Era fácil pensar neles juntos, assim como era fácil viver quando ele estava na ponta dos seus dedos. As palavras fizeram companhia a ela por anos. Religiosamente, todos os dias as quatro da tarde. Eram dois biscoitos caseiros de baunilha, uma xícara de chá e meia página de Jimmy. Neste ponto não sei informar se era o nome real do moço, mas era o que ela conseguiu ler, etiquetado em uma de suas malas. Poderia se tratar da marca, ou da coleira do cachorro mas ela sabia que era um bom nome pra aquele sorriso largo. Não se sabe se a tinta acabou, se o papel se rasgou, a história se perdeu. Ninguém nunca perguntou se ela cansou, se separou, ou se simplesmente decidiu que terminara. Era uma certeza tão gasosa que não se assustava pela desconfiança. Era frágil, delicado e indefeso. Protegido por uma distancia meticulosa e fria, solidão. Era frágil, extremamente frágil, tal como outros mil amores  que nasceram em uma estação.